Este livro foi registrado
na Biblioteca Nacional

Introdução
XVI - O CONGRESSO DAS VASSOURAS
I - O CÉU
XVII - EXÉRCITO DE VIVENTES
II - O ANJO
XVIII - REENCONTRO
O Anjo-Vampiro
CAPÍTULO XXIV - TRANQUILÓPOLIS
III - O DOM
XIX - MAIS UMA NOITE
O grupo finalmente chega ao túnel de entrada da cidade de Tranquilópolis. É um longo buraco sob a base de uma das montanhas que cerca o local. Ao final do túnel existe um vale tranquilo, onde não venta e tem pouca iluminação solar. Apenas entre às dez da manhã e duas horas da tarde é que a luz penetra até a parte baixa do lugar onde fica a cidade.

É um lugar úmido com cascatas por todos os lados e que nunca se forma um lago, porque toda a água penetra no solo e forma um rio no sopé de uma das montanhas. Tranquilópolis é uma cidade bucólica, sem ladrões ou bandidos onde as pessoas vivem sem a preocupação com a passagem do tempo. Elisabeth fica impressionada ao chegar:

- Nossa! Até o clima aqui é diferente! Incrível este lugar!

O veículo para numa praça central e Eliseu, que voava invisível, aparece agora por trás de uma grande árvore, para que nenhum cidadão local o visse se materializar ali. Em direção a ele uma pessoa caminha com longo casaco, similar ao seu. O anjo protetor da Curandeira observa aquele que se aproxima e que para diante de Eliseu quando lhe questiona:

- O que está fazendo aqui?
- Olá, Mickael. Achei que ficaria feliz em saber que a minha protegida está bem.
- A função de protegê-la é sua. Não precisa ficar me mostrando que está tudo bem.
- Eu sei disso!
- Ainda não me respondeu por que veio para esta cidade.

Eliseu olha ao redor, observando a pequena cidade encravada entre montanhas inacessíveis e responde:

- Não podemos ficar parados muito tempo em lugar algum. E achei que aqui seria um bom lugar para passar uma noite ou duas, sem sermos atacados por demônios. Elisabeth precisa descansar um pouco.

- Saia imediatamente daqui. Não queremos os servidores de Lúcifer estragando a tranquilidade deste lugar.

- Entendo a sua preocupação, chefe! (declara Eliseu). Mas neste momento milhares de demônios estão se mobilizando por todo o mundo para atacar a humanidade, o que mostra que Lúcifer tem certeza de que eu não tenho como impedir que ele leve Elisabeth.

- Nós sabemos disso! E este é mais um motivo para você se afastar daqui. A população deste lugar poderá morrer por conta deste seu ato impensado!
- Eu preciso da ajuda de outros anjos nesta guerra. Do contrário não conseguirei proteger a Curandeira.

- Sabe que isso é impossível, Eliseu! Não podemos deixar de proteger as outras pessoas com dons, principalmente com tantos demônios à solta e prontos para atacar a humanidade. Não vou pedir novamente! Saia já daqui!

- Ou o quê, Mickael? Irá me atacar? E se o fizer eu e você nos tornaremos anjos caídos também! Prefere lutar contra mim e perder seu status, do que enfrentar Lúcifer? Qual é o seu plano? Deixá-lo dominar a humanidade, enquanto você protege apenas algumas poucas pessoas?

- Não posso proteger as pessoas desta cidade com um exército e Lúcifer tentando entrar aqui. Você está me colocando numa posição muito difícil.

- Então traga mais pessoas com dons para cá. Vamos formar um exército de anjos com todos os protegidos guardados nesta cidade. Se Lúcifer tentar entrar aqui será vencido por todos nós juntos!

- Não há tempo para isso! As cidades lá fora estão se transformando num caos. A violência explodiu em todo o mundo. Os outros anjos terão muito trabalho para defender seus protegidos. Não há como estas pessoas serem trazidas para cá agora! Cada um dos celestiais estão sozinhos e abandonados neste momento. E a Curandeira é problema seu.

- Não! Agora é nosso! E terá que me ajudar nisso ou Lúcifer sairá vencedor. Quantos anjos estão aqui nesta cidade neste momento?
- Não somos joguetes seus! Não participaremos de sua guerra (declara Mickael).

O vampiro-líder, Elisabeth, Sanguinário e Barrattiel caminham na direção de Eliseu e Mickael. O chefe do protetor da Curandeira observa o estranho grupo, arregala os olhos e indaga seu subordinado:

- O que é isso? Você trouxe um anjo caído e instável para cá? Ele poderá atacar as pessoas e teremos que lutar contra ele também! Ficou maluco, Eliseu?

- Não, apenas desesperado por ajuda! Aquele humano também tem um dom, que poderia nos prejudicar se Lúcifer fosse até ele. E o outro sujeito é um vampiro! Também pedi ajuda às bruxas e às fadas, que logo estarão aqui. Só faltam os anjos entrarem nesta guerra.

- Seu plano é insano! E trouxe toda esta loucura até nós (declara Mickael, colocando uma das mãos sob o casaco para sacar a sua espada).

Eliseu percebendo isso segura a mão de seu chefe para que ele não se exponha.

- Não faça isso, chefe! Não estou louco o suficiente para lutar contra o anjo mais poderoso que existe depois de Lúcifer. Se você cair agora, a humanidade também cairá! Ajude-me... ao invés de lutar contra mim! Somos todos protetores e nossos protegidos estão em perigo! Ajude-me..., por favor!

- Deus irá lhe punir quando tudo isso acabar! (declara Mickael).
- Deus não está aqui para ajudar, mas você sim...! Converse com os outros anjos... Eu salvo a Curandeira e todos juntos salvaremos a humanidade que restar depois dessa guerra.
- Sabe bem o que acontecerá depois dessa guerra!
- Eu sei! Os anjos deixarão de existir quando Lúcifer morrer.
- Não estou falando desta possibilidade! Estou falando da outra..., caso ele vença.
- Isso só irá acontecer se você não me ajudar!

- Nem eu, nem os outros anjos o ajudaremos com isso! Se deixarmos nossos protegidos, a nossa missão como anjos terá falhado! E você sabe que a nossa missão não pode ser deixada para trás. Deus não perdoaria isso!

O vampiro-líder chega próximo de Mickael e do protetor de Elisabeth e indaga:

- Quem é seu amigo, Eliseu?

Mickael olha para o vampiro, o encara e lhe diz com veemência:

- Se você ousar se aproximar de algum humano neste lugar, na esperança de se alimentar..., eu cortarei você em pedaços bem pequenos e os darei aos demônios que vocês estão atraindo para cá!

- Neste caso acho melhor eu ficar perto da Curandeira, porque aí ela me reviverá e estarei livre desta praga que acaba de me rogar.

Mickael espreme ligeiramente os olhos e volta a sua fúria visual para seu funcionário celestial.

- Eu te culparei pessoalmente contra tudo de errado que acontecer nesta cidade.
- Aceitarei a pena que me impuser, desde que me ajude!

- Não cedo a chantagens...! E a sua foi a pior que já tive que engolir até hoje...! Cuide-se Eliseu...! Se Lúcifer não o matar neste conflito, eu mesmo o farei! (declara, ameaçador, Mickael, que começa a andar para longe, quando entra em uma pequena viela e desaparece).

- O que está acontecendo com este anjo, Eliseu? (indaga Elisabeth que ouvira tudo). Por que ele iria querer te matar?
- É o meu chefe! Os chefes nem sempre são bonzinhos, principalmente quando espera que seu funcionário realize uma missão e este trás o problema de volta para ele!
- Então não teremos ajuda dos anjos contra os demônios? (indaga Sanguinário).
- Mickael não terá escolhas quando a hora chegar. E é por isso que está tão revoltado comigo!
- Acho que devo cumprimentar você, Eliseu! (declara o vampiro-líder).
- Por quê?

- Você conseguiu convencer inimigos históricos a se ajudarem, conseguiu reaproximar as fadas dos anjos, forçou seu chefe a fazer algo que ele não queria, enganou Lúcifer até agora, fez mais um anjo cair e incrivelmente ele também quer te ajudar, não deixou a loucura te dominar e está prestes a trazer o caos para a cidade mais tranquila do planeta. Acho que Lúcifer deveria ficar preocupado com você! O que mais podemos esperar para as próximas horas?

- A situação está resolvida (declara Eliseu). Fiz o que pude, diante dos problemas que encontrei até aqui. Agora cabe a cada um dos aliados a fazerem a sua parte, sem Planos B, C ou D... De nada adiantará o que conquistamos se alguma das partes nos trair. Cabe a você e às bruxas cumprirem o combinado, sem trapaças, sem segundas-intenções, sem traições... Somos poucos..., mas se não formos objetivos e sinceros no que temos que fazer... tudo terá sido em vão.

Eliseu vira-se de costas para o vampiro-líder e começa a caminhar pela cidade.

- Aonde vai, Eliseu? (indaga Elisabeth).
- Vou fazer o reconhecimento deste lugar! Precisamos nos preparar para o combate que poderá acontecer até mesmo hoje à noite, se Tábata nos trair.

O grupo começa também a olhar ao redor, quando Sanguinário comenta:

- Estou com fome e com sede! Vamos procurar uma lanchonete nesta cidade.
- Boa ideia! (concorda Barrattiel).
- Não olhe para mim! Não vou pagar nada para você! Não sou babá de anjo caído! (relembra Sanguinário).
- Não se preocupe! Eu tenho cartão de crédito! Vamos procurar um lugar para comer (sugere Elisabeth).
- É! Parece que vou passar fome de novo hoje! (declara o vampiro-líder).

Eliseu se afastou um pouco dali e chegou perto de uma mata fechada ao lado da cidade. Ele entra em meio às árvores e começa a caminhar com dificuldade, se esgueirando entre a grande concentração de vegetação alta do local. Em meio a uma pequenina clareira ele saca a sua espada, crava a lâmina com força no solo úmido e barrento, ajoelha-se ali, apoiando-se com uma das mãos sobre a sua arma. O anjo abaixa a cabeça, fecha os olhos e aguarda pacientemente. Em poucos segundos a pequena fada-rainha Verônica, de pouco mais de um palmo de tamanho, aparece em pleno ar, voando na direção daquele anjo:

- Olá, Eliseu!
- Olá, rainha Verônica! Que bom que está aqui. Sinto-me em paz com a sua presença.
- A paz está longe se ser uma realidade, Eliseu!
- Eu sei! Estou pronto para ajudar a reconquistá-la para todos.
- Não está, não!
- Por que diz isso?
- Sinto muitos conflitos internos em você! Sinto que ama a sua protegida e isso poderá por em risco a vida dela, a sua e a da missão que Mickael lhe incumbiu.
- Não posso fazer nada quanto a isso! Procuro focar na missão, mas alguns pensamentos me distraem!
- Eu sei! Eu sinto! E temo pelo futuro.
- Tem alguma sugestão para me ajudar?
- Talvez um feitiço possa neutralizar parte do que está sentindo e o ajude a manter o foco.
- Feitiço?!
- Sim! As fadas podem lhe ajudar!
- Mas isso mudará o que sinto por ela?
- Sim! Deixará você mais frio e mais focado no que terá que fazer.
- Então eu lutarei apenas pela minha missão e não por Elisabeth?
- A sua missão é a sua protegida! Se você vencer, será por ela também.
- Mas... e o amor que tenho? Onde ficará guardado?
- Você é um anjo, não tem direito ao amor!
- Não quero abdicar de algo tão puro, que me aquece, me transforna e me faz querer ser mais do que um anjo!
- Você escolheu a hora errada para se arrepender e colocar em dúvida o que precisa fazer.
- Não abdicarei de minha missão, de meu amor ou de minhas fantasias. Preciso de todas elas para continuar o meu caminho até onde for preciso chegar.

- De que adianta sentir o amor, se não poderá usufruir dele jamais? Sabe que se vencer Lúcifer, os anjos desaparecerão junto com todo o mau que se instalou nesta terra! Seu amor não será compartilhado e nem vivenciado por você ou por ela! (declara a pequena rainha Verônica).

- Agradeço a sua tentativa de me ajudar, rainha. Mas sinto que precisarei de todo o meu eu neste momento. Preciso manter vívidos todos os motivos que me trouxeram até aqui. Preciso lutar com todo o meu empenho, amor e força! Preciso de cada grama de minha disposição para lutar, venha de onde vier, para que eu possa despejá-la contra Lúcifer e seu exército, com a mesma violência e crueldade que deles receberei.

- Tudo bem! É uma opção sua! Mas cuidado! O amor é uma arma poderosa, perigosa e que pode voltar-se contra você! Ela tanto pode ajudar quanto distrair! Espero que saiba o que está fazendo e esteja certo em escolher este caminho.

- Obrigado pelo voto de confiança, rainha. E quanto ao apoio das fadas? O que conseguiu para proteger Elisabeth? (indaga Eliseu).

- Combinamos que Elisabeth será protegida por um manto de invisibilidade durante a batalha! Assim ela poderá estar perto o suficiente para ressuscitar os combatentes aliados que perecerem. Mas existe um problema!

- Qual é?

- Ela precisará estar visível quando devolver a vida a alguém! Tivemos então a ideia de usar dois mantos de invisibilidade sobre ela. O segundo será mais curto e, assim, apenas as mãos da Curandeira estarão visíveis quando ela usar seu dom da cura e isso o inimigo poderá perceber, quando os aliados começarem a voltar à vida. Neste momento não poderemos protegê-la de Lúcifer, ela estará exposta ao perigo! Além do mais com dois mantos de invisibilidade haverá uma maior distorção da imagem ao redor de Elisabeth. Conforme ela se movimentar, um rastro desfocado e disforme a acompanhará, tornando-a um alvo para os inimigos.

- Então a Curandeira não deve ressuscitar cada um que morra, mas sim todos ao mesmo tempo! (declara Eliseu). Aqui não venta e as cinzas dos vampiros não se espalharão muito.

- Mas isso reduzirá o número de aliados contra o exército de Lúcifer durante a batalha! Sabemos que os anjos não lhe ajudarão e nem as bruxas. Como conseguirá lutar contra milhares de demônios com cada vez menos combatentes?

- Espero que possamos impedir a passagem dos inimigos pelo túnel de entrada. O espaço é restrito e com poucos combatentes poderemos protegê-lo.

- Não me parece um bom plano, Eliseu! Terá que fazer melhor do que isso se quiser vencer. Terá que trazer as bruxas e os anjos para o seu lado antes que seja tarde demais.

- Estou trabalhando nisso, rainha Verônica. Mas..., por enquanto..., é o que tenho disponível.
- Muito bem...! As fadas farão a sua parte! Estaremos sempre por perto de sua protegida, caso a batalhe se inicie antes. E que Deus nos ajude.
- Acha que ele está nos observando agora?
- Não posso falar em nome de Deus! Posso apenas dar um palpite!
- E qual seria?
- Acho que ele nos observa e espera que todos tenhamos atitudes corretas para que o fim desta história seja adequada aos planos dele.
- E quais seriam os planos de Deus?
- Terá que perguntar a ele, se o vir!

Neste momento, a fada-rainha Verônica começa a voar para longe e desaparece em pleno ar. Eliseu se levanta, guarda a sua espada brilhante e retorna à cidade. Ao chegar percebe que muitas pessoas estão saindo às ruas. Este povo tem um hábito peculiar. Todo final de tarde a população da cidade vai às ruas para longos bate-papos, para se abraçarem, contar histórias e trocar ideias sobre as notícias do mundo e do país!

Eliseu procura a sua turma em meio àquela multidão de uns quinhentos cidadãos, mais ou menos. No caminho é abordado por diversas pessoas que lhe cumprimentam e tentam "puxar" conversa. Ele pede desculpas, porque está ocupado e vai se afastando da população animada e cortês. De longe vê Elisabeth, Sanguinário e o vampiro-líder sentados diante de um bar. Com exceção do sugador de sangue, os outros dois estão animados no bate-papo, enquanto bebem e comem.

- E então? Já verificou onde seu pessoal irá passar a próxima noite? (indaga Eliseu ao vampiro-líder).
- Não! Estou tomando conta deste trio! (aponta o vampiro para Barrattiel, Sanguinário e Elisabeth).
- Você precisa descobrir um lugar para sua equipe e os outros vampiros ficarem. Não vi nenhuma casa abandonada por aqui e nem uma caverna escura para abrigar tantos vampiros (declara Eliseu).
- Fique tranquilo, anjinho! O túnel de entrada para esta cidade nos servirá muito bem! Só vamos estourar as lâmpadas para podermos dormir melhor durante o dia.

Eliseu sorri sem mostrar os dentes e concorda com o vampiro.

- Esta é uma boa ideia! Além do mais, poderão proteger a cidade se algum demônio entrar por ali.
- Sim! Eu já tinha pensado nisso. Mas temos um problema!
- E qual é?
- Elisabeth terá que ficar conosco lá dentro, no caso de sermos atacados e alguns dos nossos morrer.

- Não gosto da ideia de deixá-la sozinha com dezenas de vampiros famintos! Além do mais o local é muito estreito para ela ficar por lá durante uma batalha tão grande. Não haverá espaço e nem um lugar protegido para Elisabeth se esconder. Acho melhor trazer a luta para a saída do túnel, onde podemos atacar cada um que ousar entrar na cidade.

- Olá, visitantes! (declara uma senhora que se aproxima). Vieram conhecer a nossa cidade?
- Sim! É um lugar muito agradável e cheio de gente feliz, não é? (declara Elisabeth).
- É verdade, minha filha! Todos aqui parecem ter sido escolhidos por Deus! Só tem gente boa e educada nesta cidade. Estamos todos protegidos e muito felizes com a vizinhança! (comenta a senhora). Vão ficar para a festa noturna de hoje?
- Festa noturna?! (indaga Eliseu).
- Sim! Hoje é noite do abraço! (responde a senhora para espanto de todos).
- Abraço?! (indaga curioso o vampiro-líder).
- Sim! Hoje à noite todos os moradores saem de suas casas e se dão abraços e beijos para estreitarmos nossos relacionamentos.
- Vale também mordida no pescoço? (indaga o vampiro-líder).

A senhora espreme os olhos e fecha o sorriso em repúdio ao que ele dissera. Sob a mesa, Elisabeth chuta a canela do vampiro, para que ele parasse com aquilo.

- Não! Mordida no pescoço não pode!
- Tudo bem, minha senhora! (declara Sanguinário). Obrigado pelo convite. Só precisamos saber onde iremos dormir hoje. Estamos todos exaustos da viagem.
- Ahhh! Temos uma pousada confortável para visitantes no final da rua, já perto da mata logo à frente (responde a senhora). Sejam bem vindos a Tranquilópolis.

A simpática senhora agora se afasta e Eliseu demonstra preocupação enquanto seu olhar se perde no horizonte.

- O que está lhe afligindo? (indaga Barrattiel ao amigo celestial).
- Aquilo ali! (declara o anjo ante a aproximação de três pessoas usando as mesmas capas pretas e longas. São anjos disfarçados, que se aproximam e param diante do grupo de visitantes).

- O que querem? (indaga Barrattiel aos três parados à sua frente).
- Somos o comitê de bota-fora! Estamos convidando todos vocês a saírem desta cidade agora mesmo!
- Ou o quê? (indaga o vampiro de costas para os três). Vão chorar até que fiquemos irritados com vocês e resolvamos partir?
- Podemos começar cortando a sua cabeça, vampiro! (declara um deles).
- Ei! Que história é essa? (indaga Barrattiel). O anjo caído aqui sou eu e não vocês e mesmo assim nem quero acabar com a vida deste sanguessuga!
- Cale esta boca, Barrattiel! Se tivesse cumprido a sua missão direito, não teria caído! (declara um deles).
- Foi Mickael quem enviou vocês aqui para nos expulsar da cidade? (indaga Eliseu).
- Claro que não! (responde um deles).
- Então deveriam falar com ele! Vocês terão que nos ajudar em nossa batalha! (declara Barrattiel).
- Não somos anjos de apoio como você, Barrattiel. Não temos que ajudar outros anjos. Somos protetores e estamos ocupados por aqui.
- Parece que não! Vieram para um bar para fazer arruaça! (declara Sanguinário).
- E você, quem é? (indaga um deles).
- Sou o sujeito que irá avisar vocês quando o perigo estiver chegando aqui!
- Então você não serve de nada, porque vocês chegaram aqui sem avisar e trouxeram o perigo na bagagem!
- O que há com vocês, anjos? (indaga o vampiro sem se virar de frente para os três). Agem como demônios enlouquecidos. Perderam o bom senso e nem querem ajudar? O que vocês andam fazendo? Tomando drogas?

Os três ameaçam sacar as suas espadas quando Eliseu os interrompe.

- O vampiro tem razão! Há quanto tempo estão em terra?
- Desde que Você foi designado para protegê-la! (declara um dos três, olhando na direção de Elisabeth).
- Então estamos todos sofrendo do mesmo mal! (declara Barrattiel). É uma pena que vocês ainda não caíram, senão a Curandeira poderia lhes ajudar como já fez comigo!
- Espere um pouco! (declara Eliseu). Por que vocês estão em terra desde que eu vim proteger Elisabeth?
- Por que esta pergunta agora? (indaga um dos três anjos).
- Quando Mickael me designou para esta missão, não me disse que ela era a Curandeira! Vocês todos sabiam disso e ninguém me avisou!

Os três anjos se entreolham, demonstrando que "pisaram na bola", quando então um deles resolve falar:

- Mickael tinha medo que você não aceitasse a missão, porque não tínhamos outro anjo disponível.
- E desde quando um anjo recusa uma missão? (indaga Eliseu).- Existe mais alguma coisa, não é? E vocês sabem o real motivo! Por isso querem que eu vá embora! Estou certo?

Um silêncio angelical se espalha pelo ar. O vampiro-líder rotaciona seu corpo, ainda sentado na cadeira, e olha para cima diretamente para os olhos dos três anjos encrenqueiros.

- E aí? Não vão falar nada!
- Saiam daqui, enquanto é tempo! (declara um dos três anjos). Este lugar não pode ser envolvido numa batalha. Se Lúcifer vier para cá, a parte ruim da profecia da Curandeira poderá se realizar.
- Do que estão falando, afinal? (indaga Eliseu). O que tem nesta cidade que pode mudar os rumos da guerra contra Lúcifer.
- Não podemos lhe falar! Você não faz parte do conselho de anjos. Essa informação jamais estará disponível para você.
- Então... não terão a minha colaboração também...! Não sairei daqui de forma alguma. E se quiser, podem sacar a sua espada para resolvermos isso da forma mais adequada...: num duelo de anjos.
- Não façam isso! (declara Elisabeth levantando-se da cadeira onde está). Estão enfrentando o inimigo errado! Vocês precisam se unir.
- Sinto muito, Curandeira! (comenta um dos três anjos). Esta batalha não nos pertence e vocês escolheram o lugar errado para lutar contra Lúcifer. Se não partirem imediatamente... tudo estará perdido.

Agora Sanguinário começa a tremer, sentado em sua cadeira, o que chama a atenção de todos no local, incluindo alguns moradores que estão próximos dali.

- O que está havendo com ele? (indaga um dos tranquilopolianos).
- Está tudo bem, senhor! (declara Eliseu aproximando-se de Sanguinário e se posicionando entre ele e o morador curioso da cidade). Ele tem umas tremedeiras de vez em quando. Já vai passar.

Elisabeth aproxima-se de Sanguinário e coloca a mão em seu ombro:

- O que foi? O que está acontecendo?

Ao tocar nele a Curandeira sente a mesma coisa e também vê Lúcifer se materializando no centro da cidade mais próxima.

- O que foi, Elisabeth? (indaga Eliseu). O que está acontecendo?

- Lúcifer está disfarçado! E está comandando pessoalmente seu exército de demônios! A população não sabe o que está acontecendo! Acho que ele irá matar todo mundo quando souber onde estou escondida! Não podemos deixar que isso aconteça, Eliseu! É melhor eu me entregar a ele.

- O quê?! Não pode estar falando sério!
- Não podemos deixar que a humanidade morra para eu me salvar! O vampiro tem razão! Eu devo me entregar.

Tomado de uma fúria quase incontrolável, Eliseu aproxima-se do vampiro-líder, pega-o pelo pescoço erguendo-o da cadeira e forçando-o em pleno ar contra a parede do bar, diante da passividade dos outros três anjos ali ao lado. A população se afasta e ouve-se alguns gritos de medo dos moradores perante a violência que se instalou entre os novos visitantes.

- É nisso que dá pedir ajuda a um vampiro! (declara um dos três anjos locais).
- Quem lhe deu permissão de sugerir algo tão ridículo assim a Elisabeth?
- Não preciso de permissão para resolver problemas! Você pediu a minha ajuda e eu estava tentando salvar a preciosa humanidade ao invés de lutar contra Lúcifer.
- Se é dessa forma que quer ajudar... é melhor dar o fora daqui! Não preciso de você e suas ideias ruins!
- Não faça isso, Eliseu! (pede Elisabeth). O vampiro tem razão! Talvez o meu sacrifício possa acabar com esta guerra.

- A sua contínua tentativa de traição, vampiro, não vale o risco da sua ajuda! Saia daqui e leve embora seu carro. Se eu o vir novamente, ou a algum outro vampiro, tenha certeza de que a minha espada será a última coisa que verá em sua vida podre, idiota e desnecessária.

Eliseu larga o vampiro-líder empurrando-o para longe. Ele se equilibra para não cair. Um silêncio se espalha pela pequena cidade, impressionados com algo que alguns jamais viram pessoalmente: uma briga.

-
Vocês são limitados na forma de olhar para a vida! (declara de longe o vampiro-líder falando aos anjos). Procuram os caminhos mais difíceis, ao invés de resolverem logo o problema principal. Deixaram aquele outro cair (referindo-se a Lúcifer) e fazer o que quisesse e agora obriga os que não tem nada a ver com isso, a lutar ao seu lado, por uma causa que é só sua e que nem seus colegas querem se envolver! Você me acusa de ser podre, idiota e desnecessário. Mas quando tudo isso acabar, todos nós saberemos quem será podre, idiota e desnecessário nesta terra. Você acaba de perder seu único aliado de uma guerra insana, o que mostra o quão burro é! Boa sorte, para quem conseguir se salvar!

O vampiro-líder vira-se de costas, caminha em direção ao seu possante veículo e depois parte em disparada pelo túnel que leva à estrada.

- Parabéns, Eliseu! (declara um dos três anjos). Conseguiu estragar todo o seu plano ruim! O que pretende fazer agora? Ficar aqui, lutar sozinho contra milhares de demônios enquanto Lúcifer leva a sua protegida embora e esperar que toda esta população de boas pessoas morra?

- Não! As bruxas estarão aqui em breve! E sem os vampiros elas nos ajudarão.

- Bruxas?! Acha mesmo que depois do que fazemos contra elas, irão te ajudar nesta guerra? Cai na real, Eliseu! Saia logo desta cidade. Você nem sabe o que está rolando por aqui! Deixe-nos em paz neste lugar e cumpra a sua missão: proteja a Curandeira, fugindo pelo resto da vida dela. Assim a profecia não se realizará. Saia logo daqui!

Eliseu olha para cada um dos que estão presentes, os três anjos, Elisabeth, Barrattiel, Sanguinário e para a população de moradores locais, que estão apavorados com o que veem. Então ele toma uma decisão e caminha resoluto pelas ruas da cidade.

- Aonde vai agora? (indaga um dos três anjos).
-
Falar com Mickael!
- Ele não quer falar com você! E não irá te atender.

Eliseu não responde ao comentário do colega anjo e continua caminhando e gritando pelo nome de seu chefe:

-
Mickael! Mickael! Mickael! Apareça!

Ao passar por uma viela, depois de uma curva, Eliseu é puxado com força pela gola. Numa reação rápida ele agarra pelo pescoço quem lhe agarrara. É uma mulher!

- Tábata?! O que faz aqui?

Eliseu larga o pescoço dela e ela larga a gola dele.

- Como assim, Eliseu! Ficou maluco?
- Ahhh! Não! Quer dizer... talvez!
- O que está acontecendo? Estive de olho em tudo por aqui desde que cheguei e vi aquele sanguessuga sair correndo. Ele foi buscar mais algum vampiro para a batalha?
- Não! Eu o mandei embora!
- Ahhh! Meio tarde para ter bom senso! Não vai dar tempo avisar os outros bruxos sobre esta mudança tática!
- Não é uma mudança tática! Ele estava jogando contra meus objetivos!
- E daí? Você contata inimigos para ajudá-lo e espera que eles sejam seus melhores amigos numa guerra?
- O que quer dizer com isso? Também irá jogar contra mim, mais do que já está?
- Você tá meio nervoso hoje, né? O que está acontecendo? A loucura está te dominando?
- Não sei! Está tudo ficando meio esquisito por aqui! Este lugar..., a proximidade da batalha...
- O seu amor por Elisabeth... (declara Tábata, complementando o anjo, que olha sério para ela).
- Tá ficando tudo meio confuso!
- Olha! Sem os vampiros, acho que posso convencer mais alguns bruxos a colaborar com você.

- E para quê? Você disse que nenhum de vocês irá me ajudar diretamente nesta batalha! Estou sozinho, como acho que sempre estive, desde quando aceitei proteger Elisabeth.

- Escolheu a pior hora para se arrepender, anjinho! Todos os compromissos já foram firmados, o palco está armado, em breve terei que informar Lúcifer de onde Elisabeth está...

- Não sei mais o que devo fazer! E o pior é que os outros anjos estão me escondendo alguma coisa sobre esta cidade...! Algo que eu não posso saber... Algo que pode por em risco o final desta história.

- Mas que droga! Vocês anjos são muito cheio de regras..., histórias..., profecias...! Por que complicam tanto a vida das pessoas, dos bruxos e dos vampiros?

- Eu não sei a resposta para isso! Acho que queríamos manter as coisas funcionando como Deus planejou. Antes era tudo tão claro! Mas estou ficando muito confuso com o que devo realmente fazer agora.

- Guerra nunca é um caminho bom para nada e nem ninguém, principalmente para aquele que decidir aceitar a luta contra um inimigo que o provoca. Uma guerra sempre pode ser evitada se uma das partes desejar..., mas dificilmente poderá ser parada até que seja tarde demais...! Até que milhares de vidas tenham pagado o preço mais alto...!

- Acha que eu poderia ter evitado esta guerra?

- Acho que esta decisão não está mais em suas mãos. Quando resolveu contatar vampiros, bruxas e fadas... você optou pela guerra. Se recuar agora... terá as fadas como inimigas, os vampiros como rivais eternos e os bruxos todos mortos.

- Mortos?!
- Lúcifer irá querer a nossa cabeça, se eu não der o endereço da guerra amanhã de manhã para ele!
- Droga! Acho que me precipitei!

- Jamais diga isso novamente! Você obrigou seus inimigos a lutarem ao seu lado! Ninguém apoia um líder fraco ou covarde. Se é para enfrentar o diabo, que assim seja! Mas se demonstrar que está esmorecendo..., então Lúcifer vencerá antes mesmo da batalha começar. A protegida é sua! Mas a guerra agora é nossa!

- Mas eu pensei que você e os outros bruxos não iriam se envolver.

- Eu também pensei isso! Mas conforme o tempo passa e a guerra se aproxima..., as partes envolvidas direta ou indiretamente começam a tomar algum partido. E devo lhe dizer que muitos de nós estão tendendo a apoiar a sua causa! Mas preciso que você continue são e convicto do que irá fazer.

- Está bem...! Parece que você acabou me enganando afinal!
- Como assim?! O que quer dizer com isso?
- Achei que me trairia! Mas vejo agora que é realmente uma aliada!
- Não fique muito contente com isso! Os bruxos vão querer alguma coisa em troca por este apoio, se vencermos a guerra.
Eliseu dá um pequeno sorriso de ironia.
- Se vencermos... vocês herdarão a humanidade para proteger em nosso lugar...
- Não é isso que queremos!
- Este será seu espólio de guerra! E Deus não aceitará um não como resposta.

- Escute aqui, anjinho maluco! Deixe a humanidade viver a sua própria vida! Não trate as pessoas como seus filhos. Os anjos não são, e nunca foram responsáveis por ninguém! Talvez seja isso que Deus queria lhes dizer. Deixe a vida em paz, que tudo se organizará naturalmente.

- Será?

- Veremos! Agora temos uma grande batalha para vencer. A maior batalha que este planeta já viu! E não podemos mais perder tempo com dúvidas ou desconfianças. Vamos vencer, mesmo sem os vampiros e os anjos.

- Está bem! Mas ainda preciso encontrar Mickael! Ele me deve uma explicação.
- Quem é Mickael?
- Meu ex-chefe!

Ao dizer isso, Eliseu caminha para fora da viela, enquanto a bruxa começa a andar na direção contrária, em direção ao centro da pequena cidade. A noite começa a chegar e os perigos que ela envolve se espalham pelo ar.

IV - A VIAGEM
XX - A FILA DA PROCURA
V - MAL ASSOMBRADA
XXI - BOA NOITE, CINDERELA
VI - BATALHA NOTURNA
XXII - FACÇÕES DA GUERRA
XXIII - NOVOS COMBATENTES
VII - PRIMEIRO ACORDO
VIII - A FUGA
XXIV - TRANQUILÓPOLIS
IX - VISITA INDESEJADA
XXV - A VIRADA
X - LANCHONETE
XXVI - A FROTA DO MAL
XXVII - SERES DA GUERRA
XI - A NOVA VIAGEM
XII - TÁBATA
XXVIII - A BATALHA FINAL
XXIX - A PAZ ETERNA
XIII - IMPASSE
PERSONAGENS
XIV - VERÔNICA
ANJOS, FADAS E BRUXAS
XV - SANGUINÁRIO
HOME
HOME
COMENTE SOBRE
ESTE LIVRO
CLICANDO AQUI

Henri Versiani
como Eliseu

Majorie Gerardi
como Elisabeth

CAPÍTULO
ANTERIOR

CAPÍTULO
POSTERIOR