A Cultura

Jerusalém. 21 dC. Jesus está no palácio de Valério Grato conversando com ele e toda a sua equipe no salão principal. Estão todos em pé discutindo as necessidades do império romano!

- Estamos com problemas na fronteira árabe! (declara um dos senadores ricos presentes e donos de terras próximas à região árabe). Os soldados romanos vêm sendo atacados continuamente em minha região! Precisamos mostrar a todos que não se pode brincar com o império romano!

- Não podemos entrar em guerra neste momento! (declara Valério, o prefeito). Nosso imperador deixou claro que devemos reorganizar as regiões conquistadas, acabar com todos os conflitos internos e reabastecer a capital com uma cota maior de impostos! Vamos aumentar o nosso efetivo militar na região e combater os insurgentes locais. Não podemos dar margem para que acreditem que possam nos enfrentar de igual para igual! Vamos avisar aos bárbaros que o império não ficará sentado diante do levante de suas espadas!

- Tenho muitos pobres vivendo em minha região! (reclama outro rico senador romano). Eles estão atrapalhando os negócios, porque não compram, não gastam, apenas bebem e ficam doentes. Quero requisitar um grupo militar para varrer minha região, matando os insistentes e expulsando o restante de minhas terras! Agora eles também começaram a roubar e isso é um absurdo!

- Senhores! (pede a palavra Jesus). Já pensaram em agir de forma diferente do que estão acostumados...? Já pensaram em conhecer os problemas reais de teu povo e teus inimigos...?

- Quem disse mesmo que era Este? (um dos senadores de família rica interrompe Jesus e questiona o prefeito Valério).

- Este é José de Belém! Ele é meu assessor direto para lidar com problemas futuros! (responde o prefeito).

- Não sabia que existia este cargo à disposição! (responde o senador que se incomodou com a intromissão de Jesus nos assuntos políticos romanos).

- Não existia até eu o conhecê-lo! (declara Valério).
- Como Eu falava... (complementa Jesus), se queres que teus problemas se reduzam, precisas fazer com que o povo acredite que sois boas pessoas, preocupadas com eles...

Jesus, sob o falso nome de José de Belém, é agora interrompido por uma sonora gargalhada de todos os senadores presentes!

- Falas como um verdadeiro Essênio, José! Isso aqui é a realidade! Se queres orar ou filosofar vá falar com Caifás! É aqui ao lado! (Caifás é o líder religioso dos judeus! Ele tem sede própria em Jerusalém e fica ao lado do palácio romano).

Novas gargalhadas invadem o local, enquanto Valério permanece sério e olha agora diretamente para Jesus, esperando que Ele diga algo importante e consiga reverter tal situação. Jesus percebe a cobrança direta de seu "chefe romano" e retoma a palavra:

- Se rides das desgraças dos outros, receberás em troca cada vez mais pobres, inimigos, ladrões e insurgentes! Se achas ser inteligente... deverias aproveitar isso para raciocinar melhor sobre os problemas que te afligem, ao invés de rir de algo que em breve te destruirás!

- Está me ameaçando, Essênio? (declara furioso o senador sob um suave e discreto sorriso de Valério, que já passara ele mesmo por isso com o próprio Jesus).

- Não! (declara Jesus, falando sempre bem baixo, para que os ouvidos presentes sejam obrigados a prestar mais atenção às suas palavras). Estou aqui para prevenir ricos e poderosos quanto a atos inadequados e sem sentido! Matar os pobres é sinal de pouca inteligência e capacidade limitada em administrar conflitos humanos!

- O mundo vem sendo assim administrado há milênios! Foi assim que o império cresceu e é assim que devemos continuar agindo! Pouca inteligência é querer mudar o que funciona!

Os outros ricos senadores apoiam o colega, aplaudindo-o! Mas Jesus ainda não terminou e nem se deu por vencido:

- A história conta como muitos outros impérios cresceram e caíram diante da falta de habilidade e a limitação em continuar administrando as conquistas. Uma coisa é dominar, senhores! Isso o império sabe fazer muito bem! Outra é manter seus domínios! Assim como uma moeda, o invasor tem que saber qual das caras deve usar! Depois de consolidada a posição do vencedor, o vencido curva-se diante de maior poder! A partir daí o poder tem que se render ao bom senso! Esta deve ser a outra face do dominador! Nada é eterno, mas pode ser estendido, se o império usar de empatia, inteligência e demonstrar compaixão pelo dominado! Isso requer sacrifícios de todos. Teu imperador já percebeu que as discussões e reações contra a presença romana nas diversas regiões estão desgastando as relações internas dos domínios romanos! Combater conflitos com violência... só aumentarão tais conflitos e a própria violência será fortalecida!

Valério, solitariamente, bate palmas de forma compassada e lenta-se de seu assento, diante das sábias palavras de Jesus aos maiores representantes das famílias mais ricas da região.

- Muito bem! O que sugeres, então? (declara um dos senadores). Queres que ofereçamos comida aos pobres? Libertemos os escravos? Ofereçamos cargos nobres aos Essênios, como este que já ocupas?

Novas gargalhadas invadem todo o local e Jesus aguarda que estas cessem para completar seu raciocínio:

- Espero apenas que usem o bom senso e ajudem aos mais necessitados... para que o povo perceba que sois inteligentes! Para que percebam que não vale a pena lutar contra um dominador justo e poderoso! Para que percebam que vós sabeis que precisam deles na manutenção da ordem do império! Trabalhem em parceria com o povo e terão seu respeito para sempre!

- E as finanças? Os custos aumentarão demais? De onde sugeris que retiremos os dividendos do poder? Dominando novos povos?

- Quando o povo perceber que são mais do que um simples império tirano, novos negociantes trabalharão dentro das regiões dominadas, gente de outros domínios farão novos tipos de negócios com Roma e seu império, com a redução dos impostos mais e mais pessoas poderão pagá-los. O volume de dinheiro aumentará como num milagre e Roma crescerá junto com todos os povos por todo o mundo!

- Aí está o erro de teu raciocínio, José! Roma não deseja que os povos dominados ou vizinhos cresçam para que no futuro tentem reconquistar suas terras de volta!

- Aí está o erro de seu julgamento, senador! A compaixão e o respeito ao próximo transforma as pessoas e as torna um único povo, que crescerá unido em prol de uma vida melhor para todas as outras pessoas do planeta, inclusive os romanos que agem hoje apenas como tiranos! Um único povo passaria a venerar seus governantes e assim jamais haveria insurreição!

- O mundo organizado já é nosso! (declara um dos senadores). O que restou são apenas bárbaros, e nem merecem nosso poder! Não precisamos que as pessoas nos aceitem! Já os dominamos! E no futuro... dominaremos todos os outros também...! Seu raciocínio nos levará à destruição! Todos acharão que viramos cordeiros...! Nossos inimigos acreditarão que poderão também nos dominar...! Uma guerra sem fim nos destruirá...! Viram? (declara ele aos colegas). Está óbvio que o cargo desse Essênio é inútil! Eu mesmo posso fazer previsões futuras com grandes chances de acerto.

- Se não consigo mostrar a verdade às pessoas mais inteligentes do império, então minha função aqui acabou antes mesmo de iniciar! O cargo de visionário do império está vago! Sugiro que contrate um dos senadores, que demonstram saber mais do que o próprio Deus sobre o futuro da humanidade! (declara Jesus, virando-se de costas e indo em direção à porta de saída).

- Espere, José! (declara Valério, que até agora estava mudo diante da discussão). Teu cargo somente estará vago quando eu assim determinar! Não te dei autoridade para te afastares das funções que te atribuí. Teu trabalho me pertence e fará o que eu ordenar!

Jesus para a caminhada e retorna o olhar para o prefeito.

- Vamos fazer um teste! (declara Valério). Quero que vá até os limites árabes do império romano e acabe com a insurreição que lá está se instalando. Se conseguires, terás a minha confiança e acredito que também o voto de alguns de nossos nobres senadores! (Valério olha para eles, em busca de aprovação).

- Para aceitar isso preciso que o senador também aceite minhas sugestões. Caso contrário meu plano não funcionará!

- Muito bem! (informa o senador citado por Jesus). Tem meu apoio para pregar sua forma de pensar em minhas terras. Mas apenas junto à fronteira! Não quero que isso contamine toda a região que domino. Tens um ano para resolver o problema! Depois disso, eu mesmo irei querer tua cabeça neste senado!

- Para se conseguir o que sugiro será preciso mais do que apoio! Precisarei de liberdade, ou o povo perceberá a manobra romana! Precisarei de tua real adesão ao meu plano! (falando, Jesus, diretamente ao senador). Precisarei que vás também até a fronteira e demonstre tua compaixão aos mais necessitados! Terás que conversar com diversos deles, demonstrando tua verdadeira preocupação com os problemas do povo! Terás que abdicar da arrogância de tua face e usar a outra! A da benevolência e a da atenção aos detalhes...!

- Não farei isso jamais! O plano é teu! Desenvolva tu a arte de enganá-los com falsas promessas! É por isso que faz parte desta elite! Vá até lá! Faça como quiseres! Mas resolva o meu problema! Se fores bem sucedido terás que representar cada um de nós nas fronteiras de império aqui na Judeia!

- José! (chama Valério a atenção de Jesus). Não te dei a opção de aceitar ou não uma missão! Farás tal coisa se eu assim quiser! Não é um de nós! Os romanos ainda são o povo dominante! Ninguém aqui compartilha de tua visão de mundo ideal! Estamos fazendo uma pequena concessão em território limitado com soldados controlando cada um de teus passos e também daqueles que se insurgirem. Qualquer um, que ameace o poder e a soberania do império, será considerado traidor ou inimigo... até mesmo tu, se não fizeres direito o que propões. Não penses que aceitaremos conchavos para nos iludir quanto a teus planos! Queremos resultados reais e verdadeiros e não mentiras para nos destruir no futuro!

- A mudança de atitude requer compromisso e não ameaças! (declara Jesus). Se continuarem pensando assim então o aviso de Deus se confirmará! A humanidade será destruída e nem pobres, nem ricos, nem império, nem inimigos terão vencido! Seremos todos perdedores!

- O plano é teu! Faça-o funcionar ou serás o primeiro a perder tudo! Inclusive a vida! Não precisaremos de nenhum aviso divino para determinar teu fim! Eu juro em nome de Deus! (declara o senador).

- Muito bem, então! Diante da situação farei o meu melhor! (declara Jesus) Estou partindo hoje para lá! Concorda, prefeito? (Valério confirma com a cabeça). A propósito, senadores, não tenho medo de perder a vida pelo que acredito! Espero que pensem da mesma forma, quanto às tuas convicções! Porque se estiverem errados levarão a todos nós para a aniquilação!

- Muitos tolos como tu, já perderam a vida desde o início da história humana! (declara o senador que liberou as terras para o teste de Jesus). Muitos outros ainda a perderão no futuro!

- José! Como pretendes conversar com os bárbaros? (questiona o prefeito Valério). A língua deles é incompreensível!

- A comunicação nunca foi um problema para mim! O que atrapalha o entendimento é a intolerância!

Jesus sorri jocosamente e ausenta-se do local. Logo a seguir um soldado entra agitado no senado e, passando por Jesus, informa a todos:

- Senhor prefeito! O cisne branco fugiu!
- Ora, soldado! Vá atrás dele! Afinal ele não pode ter ido longe!
- Ele não fugiu correndo, senhor! Ele voou!
- Como isso é possível? Não lhe cortaram as asas?
- Sim! Mas elas cresceram rapidamente e ele fugiu!

O jovem Jesus com sua superaudição pôde ainda ouvir tudo o que conversaram no salão principal. Ele sorri, porque ajudou mais um animal aprisionado a sobreviver mais feliz.